
As mãos repousam no velho cadeirão enquanto fala. A luz do entardecer rasga a janela e ilumina-lhe o rosto. Não era necessário – os olhos já são de si vivos, banhados por um azul-água. Mas são as suas mãos nodosas que vão revelando os segredos de uma vida plena.
Manuel Baptista faz amanhã 100 anos e continua a viver tanto e intensamente. Hoje – diz – tempo é coisa que não lhe falta. “Tenho vagar”. Por isso, os dias são passados a ler o jornal ou os livros de orações que os amigos ou a família lhe vão levando. De vez em quando, ainda “foge” para o pequeno quintal que tem nas traseiras da casa (no Pinhal de Marrocos) e, há poucos meses, teve a habilidade de podar uma das árvores que ele próprio plantou.
Os dias são partilhados com a esposa, Maria da Encarnação. É mais nova (tem 76 anos), mas a doença vai-lhe tolhendo o desembaraço. “Uma vida simples, modesta, com muita calma, família muito unida” é o segredo que a mulher de Manuel Baptista confessa ser responsável pelo ar sereno e vivo que os dois mantêm. Não sem lutos ou vida de trabalhos. O que interessa é que hoje o homem com quem casou há 53 a cobre de mimos e desvelos que só uma relação de amor pode compreender. Não são raras as noites, quando a Cáritas Diocesana lhes leva o jantar, que ele aquece a comida ou põe a mesa para os dois. Manuel Baptista nasceu em Semide, Miranda do Corvo, no seio de uma família de agricultores. Era o mais velho de cinco irmãos e, aos 11, teve a infelicidade de ficar sem mãe. O pai tinha problemas de mobilidade, depois de ter caído do cimo de uma oliveira quando era ainda recém-casado. Com a morte da mãe, Manuel Baptista assumiu o papel de homem da casa. Aos 11 anos, caiu-lhe sobre os ombros a enorme responsabilidade de criar os irmãos – entre eles, a menina mais nova, com apenas três meses.
“Cada um tem que passar o que Deus quiser”, diz, enquanto desfia retalhos da sua vida. Cresceu a trabalhar as terras de outros proprietários. Passava as semanas em Coimbra, mas quando regressava a casa a primeira coisa que fazia era visitar as terras dos pais. Casou tarde e o primeiro golpe aconteceria poucos anos depois, quando enviuvou e ficou com dois filhos por criar – um com 10 e outro com 13 anos. “Foi o momento mais triste da minha vida”, recorda. A história parecia repetir-se, mas não desistiu. Lá continuou a “amanhar” os terrenos arrendados, a ver a vida nascer e crescer da terra.
Um dia, Maria da Encarnação, que já conhecia de tempos de gaiata, começou a ajudá-lo nas lides do campo. “A dada altura começou a conversar certas coisas comigo e pediu-me em casamento. Foi a casa dos meus pais pedir permissão”.Ela tinha 24 anos; ele 45. Do casamento, nasceu um casal de filhos. E vieram os netos e os bisnetos...
Hoje, continuam juntos, habitam a mesma casa decorada a gosto e arrumada com aprumo, onde a manhã pode despontar num passeio pelo jardim ou o entardecer chegar aconchegado no lume da lareira. É ao cair do dia – sempre às 18H30 – que os dois ouvem na rádio o terço de Nossa Senhora de Fátima .Juntos na oração, como na vida. Assim vale a pena envelhecer.
Para quem tem muito menos idade, e anda às vezes como se tivesse um peso de 100 anos na alma, é reconfortante descobrir que há seres humanos assim.
Amanhã, as mãos nodosas de Manuel Baptista continuarão a revelar os segredos de uma vida plena para depois voltarem a repousar ao fim do dia. A imagem do aniversariante faz recordar um poema de Mário Quintana: “ao entardecer, quando elas repousam nos braços da tua cadeira predilecta, uma luz parece vir de dentro delas. Porque há nas tuas mãos essa beleza que se chama simplesmente vida”.
Que elas repitam esse milagre por muitos e bons anos...
Texto: Patrícia Cruz Almeida
Foto: Gonçalo Manuel Martins
Manuel Baptista faz amanhã 100 anos e continua a viver tanto e intensamente. Hoje – diz – tempo é coisa que não lhe falta. “Tenho vagar”. Por isso, os dias são passados a ler o jornal ou os livros de orações que os amigos ou a família lhe vão levando. De vez em quando, ainda “foge” para o pequeno quintal que tem nas traseiras da casa (no Pinhal de Marrocos) e, há poucos meses, teve a habilidade de podar uma das árvores que ele próprio plantou.
Os dias são partilhados com a esposa, Maria da Encarnação. É mais nova (tem 76 anos), mas a doença vai-lhe tolhendo o desembaraço. “Uma vida simples, modesta, com muita calma, família muito unida” é o segredo que a mulher de Manuel Baptista confessa ser responsável pelo ar sereno e vivo que os dois mantêm. Não sem lutos ou vida de trabalhos. O que interessa é que hoje o homem com quem casou há 53 a cobre de mimos e desvelos que só uma relação de amor pode compreender. Não são raras as noites, quando a Cáritas Diocesana lhes leva o jantar, que ele aquece a comida ou põe a mesa para os dois. Manuel Baptista nasceu em Semide, Miranda do Corvo, no seio de uma família de agricultores. Era o mais velho de cinco irmãos e, aos 11, teve a infelicidade de ficar sem mãe. O pai tinha problemas de mobilidade, depois de ter caído do cimo de uma oliveira quando era ainda recém-casado. Com a morte da mãe, Manuel Baptista assumiu o papel de homem da casa. Aos 11 anos, caiu-lhe sobre os ombros a enorme responsabilidade de criar os irmãos – entre eles, a menina mais nova, com apenas três meses.
“Cada um tem que passar o que Deus quiser”, diz, enquanto desfia retalhos da sua vida. Cresceu a trabalhar as terras de outros proprietários. Passava as semanas em Coimbra, mas quando regressava a casa a primeira coisa que fazia era visitar as terras dos pais. Casou tarde e o primeiro golpe aconteceria poucos anos depois, quando enviuvou e ficou com dois filhos por criar – um com 10 e outro com 13 anos. “Foi o momento mais triste da minha vida”, recorda. A história parecia repetir-se, mas não desistiu. Lá continuou a “amanhar” os terrenos arrendados, a ver a vida nascer e crescer da terra.
Um dia, Maria da Encarnação, que já conhecia de tempos de gaiata, começou a ajudá-lo nas lides do campo. “A dada altura começou a conversar certas coisas comigo e pediu-me em casamento. Foi a casa dos meus pais pedir permissão”.Ela tinha 24 anos; ele 45. Do casamento, nasceu um casal de filhos. E vieram os netos e os bisnetos...
Hoje, continuam juntos, habitam a mesma casa decorada a gosto e arrumada com aprumo, onde a manhã pode despontar num passeio pelo jardim ou o entardecer chegar aconchegado no lume da lareira. É ao cair do dia – sempre às 18H30 – que os dois ouvem na rádio o terço de Nossa Senhora de Fátima .Juntos na oração, como na vida. Assim vale a pena envelhecer.
Para quem tem muito menos idade, e anda às vezes como se tivesse um peso de 100 anos na alma, é reconfortante descobrir que há seres humanos assim.
Amanhã, as mãos nodosas de Manuel Baptista continuarão a revelar os segredos de uma vida plena para depois voltarem a repousar ao fim do dia. A imagem do aniversariante faz recordar um poema de Mário Quintana: “ao entardecer, quando elas repousam nos braços da tua cadeira predilecta, uma luz parece vir de dentro delas. Porque há nas tuas mãos essa beleza que se chama simplesmente vida”.
Que elas repitam esse milagre por muitos e bons anos...
Texto: Patrícia Cruz Almeida
Foto: Gonçalo Manuel Martins



