quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

100 anos cheios de vida




As mãos repousam no velho cadeirão enquanto fala. A luz do entardecer rasga a janela e ilumina-lhe o rosto. Não era necessário – os olhos já são de si vivos, banhados por um azul-água. Mas são as suas mãos nodosas que vão revelando os segredos de uma vida plena.
Manuel Baptista faz amanhã 100 anos e continua a viver tanto e intensamente. Hoje – diz – tempo é coisa que não lhe falta. “Tenho vagar”. Por isso, os dias são passados a ler o jornal ou os livros de orações que os amigos ou a família lhe vão levando. De vez em quando, ainda “foge” para o pequeno quintal que tem nas traseiras da casa (no Pinhal de Marrocos) e, há poucos meses, teve a habilidade de podar uma das árvores que ele próprio plantou.
Os dias são partilhados com a esposa, Maria da Encarnação. É mais nova (tem 76 anos), mas a doença vai-lhe tolhendo o desembaraço. “Uma vida simples, modesta, com muita calma, família muito unida” é o segredo que a mulher de Manuel Baptista confessa ser responsável pelo ar sereno e vivo que os dois mantêm. Não sem lutos ou vida de trabalhos. O que interessa é que hoje o homem com quem casou há 53 a cobre de mimos e desvelos que só uma relação de amor pode compreender. Não são raras as noites, quando a Cáritas Diocesana lhes leva o jantar, que ele aquece a comida ou põe a mesa para os dois. Manuel Baptista nasceu em Semide, Miranda do Corvo, no seio de uma família de agricultores. Era o mais velho de cinco irmãos e, aos 11, teve a infelicidade de ficar sem mãe. O pai tinha problemas de mobilidade, depois de ter caído do cimo de uma oliveira quando era ainda recém-casado. Com a morte da mãe, Manuel Baptista assumiu o papel de homem da casa. Aos 11 anos, caiu-lhe sobre os ombros a enorme responsabilidade de criar os irmãos – entre eles, a menina mais nova, com apenas três meses.
“Cada um tem que passar o que Deus quiser”, diz, enquanto desfia retalhos da sua vida. Cresceu a trabalhar as terras de outros proprietários. Passava as semanas em Coimbra, mas quando regressava a casa a primeira coisa que fazia era visitar as terras dos pais. Casou tarde e o primeiro golpe aconteceria poucos anos depois, quando enviuvou e ficou com dois filhos por criar – um com 10 e outro com 13 anos. “Foi o momento mais triste da minha vida”, recorda. A história parecia repetir-se, mas não desistiu. Lá continuou a “amanhar” os terrenos arrendados, a ver a vida nascer e crescer da terra.
Um dia, Maria da Encarnação, que já conhecia de tempos de gaiata, começou a ajudá-lo nas lides do campo. “A dada altura começou a conversar certas coisas comigo e pediu-me em casamento. Foi a casa dos meus pais pedir permissão”.Ela tinha 24 anos; ele 45. Do casamento, nasceu um casal de filhos. E vieram os netos e os bisnetos...
Hoje, continuam juntos, habitam a mesma casa decorada a gosto e arrumada com aprumo, onde a manhã pode despontar num passeio pelo jardim ou o entardecer chegar aconchegado no lume da lareira. É ao cair do dia – sempre às 18H30 – que os dois ouvem na rádio o terço de Nossa Senhora de Fátima .Juntos na oração, como na vida. Assim vale a pena envelhecer.
Para quem tem muito menos idade, e anda às vezes como se tivesse um peso de 100 anos na alma, é reconfortante descobrir que há seres humanos assim.
Amanhã, as mãos nodosas de Manuel Baptista continuarão a revelar os segredos de uma vida plena para depois voltarem a repousar ao fim do dia. A imagem do aniversariante faz recordar um poema de Mário Quintana: “ao entardecer, quando elas repousam nos braços da tua cadeira predilecta, uma luz parece vir de dentro delas. Porque há nas tuas mãos essa beleza que se chama simplesmente vida”.
Que elas repitam esse milagre por muitos e bons anos...


Texto: Patrícia Cruz Almeida
Foto: Gonçalo Manuel Martins

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010


"Precisava do teu abraço, do teu beijo, de ti para mim. De ti em mim".

Ana Souto de Matos
(in Não há Histórias de Amor com Finais Felizes
)



Para mim, o amor
fica-me justo

Eu só visto a paixão
de corpo inteiro

Maria Teresa Horta

terça-feira, 7 de dezembro de 2010


Como sangue, somos lágrimas. Como sangue, existimos dentro dos gestos. As palavras são, tantas vezes, feitas daquilo que significamos. E somos o vento, os caminhos do vento sobre os rostos. O vento dentro da escuridão como o único objecto que pode ser tocado. Debaixo da pele, envolvemos as memórias, as ideias, a esperança e o desencanto.

José Luís Peixoto

segunda-feira, 22 de novembro de 2010


Que sei eu destas manhãs?
As coisas são tão vãs
como este olhar que ignoro que me olha.


Ruy Belo

segunda-feira, 18 de outubro de 2010


"Estou à tua espera num sítio onde as palavras já não magoam, não ferem, não sobram nem faltam. Esse sítio existe."

Inês Pedrosa

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

As mãos de meu pai


Há nas tuas mãos, meu velho pai,
essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas...

Mario Quintana

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

terça-feira, 21 de setembro de 2010


Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade...


Oswaldo Montenegro

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

terça-feira, 14 de setembro de 2010


Com o passar dos anos, o corpo pode correr menos - mas abraça melhor, com mais vagar, porque em cada afago florescem todos os afagos anteriores, os reais e os sonhados.

Inês Pedrosa

domingo, 12 de setembro de 2010



"Entre mim e o meu silêncio há gritos de cores estrondosas e magias recortadas dos sonhos que acontecem naturalmente".

José Luís Peixoto

domingo, 5 de setembro de 2010


É do silêncio poroso do anjo mudo, da fala incandescente do seu olhar que, de quando em quando, surge o poema.

Al Berto (Incêndio)

quinta-feira, 2 de setembro de 2010


“Arrumei os amores, é a primeira regra da vida – saber arquivá-los, entendê-los, contá-los, esquecê-los. (...) Mas quando o amor nasce protegido da erosão do corpo, apenas perfume, contorno, coreografado em redor dos arco-íris dessa animada esperança a que chamamos alma – porque se esfuma? Como é que, de um dia para o outro, a tua voz deixou de me procurar, e eu deixei que a minha vida dispensasse o espelho da tua?”


Inês Pedrosa

quarta-feira, 1 de setembro de 2010


A criança que fui chora na estrada. Deixei-a ali quando vim ser quem sou; Mas hoje, vendo que o que sou é nada, Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Fernando Pessoa

domingo, 29 de agosto de 2010

sábado, 21 de agosto de 2010

Silêncio


"É possível impor silêncio ao sentimento; não é, porém, possível marcar-lhe limites"...

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

segunda-feira, 16 de agosto de 2010


Há sorrisos que prendem como âncoras

e nos fazem acreditar que existe um mundo escondido onde os contos de fadas são reais...

sexta-feira, 13 de agosto de 2010


"Não importa o que se ama. Importa a matéria desse amor. As sucessivas camadas de vida que se atiram para dentro desse amor. As palavras são só um princípio – nem sequer o princípio. Porque no amor os princípios, os meios, os fins são apenas fragmentos de uma história que contínua para lá dela, antes e depois do sangue breve de uma vida. Tudo serve a essa obsessão de verdade a que chamamos amor. O sujo, a luz, o áspero, o macio, a falha, a persistência."


Inês Pedrosa

terça-feira, 10 de agosto de 2010


Cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade.

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 4 de agosto de 2010


Não tenhas medo, ouve:
É um poema
Um misto de oração e de feitiço…



Miguel Torga

Guardadora de rebanhos


Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo…
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura…

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Agarrar a vida


Não imagino como será desconhecer o segredo da plenitude que habita as coisas simples.




Patrícia

Figueira


Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo

Mar


As ondas quebravam uma a uma
Eu estava só com a areia e com a espuma
Do mar que cantava só para mim
.


Sophia

segunda-feira, 2 de agosto de 2010


Para os erros há perdão, para os fracassos, oportunidade, para os amores impossíveis, tempo.

Rainha Santa 2010








Quando o tempo me esvazia, sabe bem o teu abraço fechado


M.V.

Não me pertences nem nunca me pertenceste. Os teus voos nunca serão comigo. Sei-o desde o primeiro dia. E mesmo assim permiti que me descobrisses.

Coimbra


No fim de cada noite surge sempre o medo que o tempo parta a galope e sente-se o desejo de viver tudo de novo — a mesma vertigem, a mesma magia, a mesma ilusão. E ama-se ainda com mais força esta cidade e aprende-se sempre.
Ficam as histórias e a certeza de que não se caminha só. Ficam as recordações das serenatas ao luar, dos rasganços, dos amores e de tanta, tanta coisa.
Para a vida, parte-se com a sensação de se ter vivido um poema de Zeca, uma balada de Portugal, um acorde de guitarra de Paredes: belos momentos dedicados a Coimbra. Mas tão breves quanto efémeros. E, no entanto, imortais.